quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Pragma, Eros, Ágape, Storge


Já não estou mais ao lado dela neste momento, mas hoje acordei ao seu lado. E agora, rumo por ruas de São Paulo, sigo ao trabalho, quotidianus semper est praesentia, ainda que diferente desta vez. O dia chuvoso não inspira, em verdade normalmente não inspiraria, mas hoje inspira. E expiro amor. O cinza desta urbália hoje parece ter mais tons e matizes, e sinceramente tem, só que não o vemos sempre. O trompete desse extraordinário homem chamado Miles Davis ecoa por entre ruas, avenidas e corredores de ônibus cheios de gente desesperançosa. Se este maravilhoso jazz e este maravilhoso amor pudessem chegar ao interior de todos estes seres e passar-lhes a mesma mensagem que me passam, me daria por satisfeito. Ouço Miles e ouço também o som do mundo, o céu azul que não está azul, e a cidade em transe mas com trânsito. O transe é meu e a cidade continua ali, feia, desnaturada, patinho feio sem mãe, bueiro aberto e nada certo. O Gil tá dizendo que se eu sou algo incompreensível, meu Deus sempre é mais. Mistérios sempre há de pintar por aí, ainda mais sabendo do risco da inevitabilidade dos encontros não-marcados, o que me dá um tremendo medo, porque já encontrei, mas o poetinha diz que embora haja tanto desencontro na vida, ela é de fato a arte do encontro. Que arte me permitiu então encontrar o que venho encontrando? Não sei. Mas continuo fazendo travessuras que elevam as idéias, minha própria vida e o meu modo de viver. E a sucessão das lembranças se embaralha mais, tão embaralhadas como os fios, postes e gatos de eletricidade à minha frente, sinapse urbana que rola ali na minha frente, servindo de paisagem pra sinapse do meu raciocínio. Agradeço ao bom Deus por ser o que sou, Jeovah, Jah, Olorum, Alah, o Altíssimo, o supremo que fez o amor e dele distribui somente um pouco aos desventurados homens aqui embaixo (precisamos de um Prometeu para roubá-lo tal qual ao fogo divino); agradeço ao pai e à mãe, sofreram mas não abortaram a idéia da minha existência e nem a mim mesmo, e minha existência é uma síntese de idéias que eu não aborto jamais; por hora Miyamoto Musashi convence: não se ater ao detalhe e observar o tudo e não esquecer de nada à sua volta, o ofício, a luta, o coração, a razão. Não só o ilustre guerreiro convence, convencer-á a mim também uma música dos Beatles que meu pai tanto ouvia e que dizia que o amor é tudo o que precisamos, assim como Santo Agostinho, parafraseado por minha avó quando deu o seu velho dicionário Aurélio para mim e escreveu em sua contracapa: "A medida do amor é amar sem medida".
Isso tudo em um milésimo de segundo de sinapse em um passeio pela cidade em uma manhã chuvosa, a reflexão é de praxe e não adianta me segurar, assim como a minha mãe não conseguiu me segurar há tantos anos, na flor da infância, quando me deixou de castigo, escondendo todos os meus livros. Essa reflexão me diz que o amor é sim possível, sem o qual toda a bagagem que carrego, toda a arte e todo o esforço seriam em vão e inúteis. Me preparei para este momento, planejei isto por toda a minha vida e não mais caminharei em direção às sombras das dúvidas e do medo, mas à luz da certeza e da coragem. Coragem para grandes demandas, coragem vinda de Ogum, coragem vinda dos meus amigos e irmãos, coragem para acordar um dia e não tê-la ao meu lado, pois estará longe. E me apoiarei em tudo o que sou e foi construído em vinte e um anos de caminhada árdua. Tanto pensamento e tanta chuva lavando as almas do povo que a merece em purificação, e tantas lágrimas que cairão, lavando a minh'alma e mostrando que só você as tem e merece. Cidade dá um tempo: deixa eu dizer ao menos em pensamento que só o meu amor tem o meu sentimento. A chuva cai e a cidade a tem, o choro cai e você o tem. E hoje digo que o choro, o trompete de Miles Davis, os pensamentos sábios, a chuva, o tudo e o mundo são você.

* Pragma, Eros, Ágape e Storge são as quatro faces do amor, entre os gregos.


Quinze horas mais vinte e cinco minutos do dia
doze de novembro de 2.007.

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