segunda-feira, 17 de dezembro de 2007



Na escola, sempre perguntavam a todos o que queriam ser quando fossem grandes, e a resposta dele era no mínimo inesperada: - Quero ser caminhoneiro! Mas não sabia explicar exatamente o por quê.
Bairro da Vila Prudente, há um bom tempo atrás. Uma rua de asfalto muito velho e casas ainda mais velhas. O sobradinho em que morava com a família - mãe, pai e irmã mais nova - era pequeno mas de certa forma aconchegante, propriedade que somente estas casinhas pequenas haverão de ter. Era uma casinha barata, poucos gostariam de morar nas proximidades de uma avenida como a Anhaia Mello, ou melhor, Professor Luis Ignacio Anhaio Mello, com caminhões dia e noite rodando de lá e acolá, de todos os cantos do Brasil. Decerto quem morava há mais tempo por ali já saberia diferenciar apenas pelo ruído um motor Scania de um Mercedes, um motor Volkswagen de um Chevrolet e assim por diante.
Era uma rua quase sem graça, só não era totalmente desprovida disto porque existia uma escola estadual quase em frente à casa do garoto, então sons de jogos e gritos de crianças e moleques eram comuns, espécies de chamarizes da pivetada do bairro para sair e brincar. Não haviam jogos eletrônicos: a opção era cair no mundo e fazer mil diabruras, jogar bola, pipa, taco, mãe-da-rua, et cetera. Quando o garoto saia, era para visitar a avó, que ajudava na criação dele e de sua irmã, ou para ir com o pai à padaria, ou boteco, como preferirem. Botecos eram e são comuns na Vila Prudente, aliás, em todos os bairros mais populares da cidade. O pai só comprava o cigarro e o pão ali, não era de fato chegado da turminha da sinuca e dos dominós. Em síntese, uma rua comum de um bairro mais comum ainda. Mas haviam os ruídos dos grandes paquidermes motorizados na avenida mais embaixo, mesmo de madrugada. E o garoto ouvia-os todos os dias de sua vida, imaginando os lugares distantes e talvez belos das quais haveriam de alcançar. Gostava dos caminhões, talvez fossem símbolos de mudança, de novos ares, de fuga à essa inércia medíocre, ainda que não entendesse ainda sobre alguns desses conceitos. Continuou gostando, mesmo depois da confusão que houve na rua, quando um pipa foi cortado no céu e começou a cair em direção da avenida. A molecada que foi atrás feito doida esqueceu do movimento e um deles foi atropelado por um caminhão. Morreu na hora e o pessoal queria linchar o motorista. Disto, o garoto nunca mais soube nada. E sonhava caminhões, sonhava dias de mudança. Era sonhador, o garoto.
Sem dúvida, sonhador, dono de uma imaginação intensa. Brincava sim, como todas as crianças hão de brincar sempre, mas gostava muito era de ler. E lia de tudo, mas os preferidos eram aqueles sobre Astronomia e Geografia, mapas, enciclopédias, figuras de lugares distantes e diferentes. E tudo aquilo povoava a sua cabeça, tigres, cactos, pinheiros, neve, montanhas, os Estados Unidos, a U.R.S.S., os velhos reinos da Europa, as nações da África, as ilhas do Pacífico, um desejo dinâmico de ser grande, de mudar rapidamente, de crescer e talvez ser um caminhoneiro sem destino e sem casa, deixar a inércia e o velho bairro para trás, fazer o mundo e senti-lo. Era então decretado o fim da inércia em sua vida, haveria de ser grande, custe o que custasse. E o garoto vai.

Um comentário:

Mixirico disse...

Sim, e o garoto vai...
Assim como gostaríamos de ir sem ter que voltar em certos momentos...
Também já quis dirigir um caminhão, hoje acredito que nem sempre nossos sonhos infantis devem ser desperdiçados, olha só, imagina a estrada todinha pra você!!!

Beijos e ah, o Michel quer conversar conosco...