terça-feira, 29 de abril de 2008




E o índio, adstrito à étnica escória, tendo o horror no rosto impresso, recebeu o achincalhe do progresso,
anulando-o da crítica da história!

De repente, acordando da desgraça,
viu toda a podridão de sua raça na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone, exercia sobre ele ação funesta.

Desde o desbravamento da floresta
à ultrajante invenção do telefone!



Augusto dos Anjos

terça-feira, 22 de abril de 2008

Renovar é (sempre) preciso

Homem é homem porque renova
Fosse o contrário, era bicho,
Mordendo a velha isca do mesmo velho pescador

Sou homem, sou homem, porque renovei
Criarei novas estórias e histórias
De lealdade me farei

Não faço idéia do porquê meu nome ser tão especial
Mas o dono dele sou eu
E, quem sabe, por você viverei.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Samba para a Diomaíoch

Ingratidão tem a mesma sensação
Aqui, acolá, n'outro lado do mundão
Mudam só as palavras
Mas e aí, seu moço?
Onde fica o coração?

É tanto formalismo,
É tanta desconsideração,
Considere então, seu moço
Que o lado frio do mundo
Deixa o coração é mais insosso

Mas, com pesar há de dizer
Que sepulto tua ingratidão
Não tem distância, não tem retrato,
Não tem mais nada
Morreu o teu sorriso ingrato!

Seu moço, que sorriso ingrato
Considero um desacato
Ao meu coração

Seu moço, que sorriso ingrato
Considero um desacato
Ao meu coração.

terça-feira, 15 de abril de 2008


"Sem título" - Conrado Secassi Agarelli


"Eu não sei se a vida é que vai rápida demais ou se sou eu que estou mais lento. O que sei é que ando me atropelando nos próprios passos. Eu resolvi desacelerar. Eu vou no ritmo que posso.
Não é fácil. É sabedoria que requer aprendizado! Eu quero aprender. O descompasso é a causa de todo cansaço. O corpo é rápido, mas o coração não. O corpo anda no compasso da agenda. O coração anda é no compasso do amor miúdo. O corpo sobrevive de andares largos. O coração sobrevive de pequenos passos e de demoras. Eu já fui e voltei a inúmeros lugares e o coração nem saiu do lugar.

O mistério é saber reconciliar as partes. Conciliar um ritmo que seja bom para os dois.
Eu quero aprender. Não quero o martírio antes da hora. Quero é o direito de saborear o tempo como se fosse um menino que perdeu a pressa."

(Fábio de Melo)

sábado, 12 de abril de 2008

A Tarde




Pensem num homem de Neanderthal deixando sua morada rupestre e entrando na zona de caça.


Pensou? Óquei.


O período vespertino do meu dia é passado em termos geográficos na opulenta região da Avenida Brig. Faria Lima, um dos centros do capital na capital. O homem observador que agora vos escreve tentará humildemente relatar um pouco deste universo permeado de falsos sorrisos, de ternos mocassin, de carrocinhas, Ferraris, de camelôs e trânsito intenso; escala Richter 9.9 das discrepâncias que uma sociedade singular como a nossa pode oferecer.


É lógico e claro, meus camarás, que sendo isto um weblog, não me eximo de ser um pouquinho parcial. Só um pouquinho. Até porque o meu lado da guerra eu já escolhi há alguns bons anos. E não é o lado de cima da tabela.


Bons eram os tempos machadianos em que o vencedor ficava com as batatas, e ao perdedor, sobrava piedade e compaixão. Na São Paulo do século XXI, nem tais atitudes reservam-se mais aos perdedores. A eles, relega-se o canteiro central da Faria Lima. Aqui não funcionaria nem o Humanitismo de Quincas Borba e nem mesmo Humanismo. O que funciona aqui é o ato de vencer na vida, plagiando as revistas Exame e Você S/A - é óbvio que só existem vencedores quando alguém perde - e isso eu nem poderia plagiar em tais publicações, porque elas são voltadas ao público que não fica no canteiro central da avenida.


Como toda cultura, também a corporativa acumula símbolos que visam seu fortalecimento e a sua identificação (vide Jung). Quatro seguranças armados até os dentes e guarnecendo o Shopping Iguatemi são, sem dúvida, alguns destes símbolos. A Mercedes-Benz parada em cima do farol de pedestres quando o sinal está verde para estes também o é; assim como o rosto que figura as notas de dinheiro brasileiro, ridiculamente decorando e encimando os capitéis de um arranha-céu neoclássico. O mesmo rosto em relevo de pedra sorri cinicamente para os transeuntes que passam preocupados e sem um puto no bolso, além de bater em breguice o Reginaldo Rossi e o Wando juntos. Din-din é garantia de sorriso, mas os sorrisos não garantem o din-din. Ainda assim, o camelô na calçada sorri aquele sorriso lindo de gente negra, e não se dá por vencido, ainda que a labuta seja árdua e que fique em pé o dia inteiro - o seu banquinho é sempre emprestado à senhoras de mais idade e mulheres na espera do ônibus. Na marcha a pé ou na condução, vejo tais cenas e o pensamento é inevitável: algo está muito errado.


Mas para quem tem Deus como o seu maior guia as diferenças são naturais e não se pode lutar contra elas. Elas só diminuem através do trabalho, pesado e feroz. Pelo menos é o que diz o pregador suado, Bíblia em punho, quando se passa pelo Largo da Batata, ainda que o vencedor e suas batatas estejam muito longe dali. Aliás, nem tanto assim, são só vinte andares acima do chão, empoleirados em edifícios, mas o suficiente para que sua vida e a dos perdedores que estão em terra nunca se amarrem.





Continua...


quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Manhã

Mais um dia de trabalho, no atolamento do meio da semana. Como sempre, tomo o ônibus visando chegar a Pinheiros. Muitas vezes, com atraso; outras, em situação confortável de tempo. Uso o aparelho de emepê-três emprestado de meu pai e recheado de artistas e grupos de meu feitio: B.B. King, Miles Davis, Jimmy Cliff, Parteum, Muddy Waters, Ray Charles, Black Alien, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, James Brown, músicas tradicionais nordestinas, toda uma farofada de blues, jazz, soul, funk, emepê-bê, reggae, raggamuffin, rap, entre outras coisas que passam à distância das Transaméricas, Jovem-Pans e Oitenta-e-Noves da vida afora.

Há muitos negros no busão, há mestiços, mulatos, sararás, cafuzos, brancos, uma farofada bem diversa, há os que vieram da Paraíba, Ceára, muitos provém da boa Bahia. No caso de outros, os olhos claros e os rostos de rapazes do interior denunciam: são migrantes do Sul, em especial, das zonas rurais do Rio Grande e de Santa Catarina - contratados a preço de banana para trabalhar em churrascarias paulistanas afim de "europeizá-las". Alguns são idosos, o rosto fragmentado, a vista cansada e opaca de tanta luta diária; existem as evangélicas, em que a grande maioria usa óculos - presumo que as Bíblias com letras minúsculas tenham lhes provocado o seu uso. Existem crianças, alguns são moleques que passam por baixo da catraca e vão esmolar em regiões mais centrais - estes parecem pirilampos com infinita energia - brincando como crianças devem brincar, com a diferença de que estão dentro da condução. Não se inibem. Tem cara de galeguinhos, talvez frutos de algum patrão que transgrediu a dignidade de sua empregada doméstica. Outras crianças usam calções de futebol e chuteiras bem velhas e gastas, e conversam alto e riem muito, magros de dar dó, mas todos os dias vão à escolinha do São Caetano para buscar um futuro dentro dos gramados. Poucos conseguirão; outros continuarão andando de busão, mesmo velhos.

Há o rapaz que anda sempre de preto e usa uma corrente de prata falsa com a efígie de São Jorge perfurando o dragão; existem as moças que ficam incomodadas por tanto desejo da massa masculina - estranho, porque possuem tatuagens nos seios e parecem nem usar calcinhas, de minúsculas que são; vez por outra, roubam a cena os vendedores, embora os produtos não sejam tão variados como nos trens: quase sempre balas e chocolates, e interessante, nenhum doce causa cárie nos dentes, sempre aprovados por alguma associação imaginária de odontologia. Certas vezes, o motorista atende a pedidos de passageiros e negocia com os meninos dos jornais gratuitos "Metro" e "Destak" para que forneçam 50 unidades. E o busão prossegue o itinerário, sempre com percalços: se não quiser trânsito, ande de ônibus nos 10 primeiros dias do ano. Ele só parará nos sinais.





Continua...