segunda-feira, 16 de junho de 2008

Interessante

Às vezes me pego olhando o céu sozinho, frio enregelando o que não se cobre do meu corpo, árvores com olhos - morcegos, araras e maritacas - e nuvens disputando uma espécie de corrida lá no firmamento. É minha hora do blues. A gaita faz muito bem nesta hora.

Sempre ando pelas conduções da cidade de São Paulo e, inevitavelmente, meu olho a tudo apreende. Todos os tipos humanos, sociais, carangas velhas e luxuosos sedans desfilam pelas ruas esburacadas e calçadas mais ainda. Para tantos contrastes, um belo jazz que vai do grave ao agudo em milésimos de segundo me satisfaz. Para uma trilha sonora do caos, saxofone, trompete, piano, trombone e além.

Quase sempre é a batida que me leva ao firmamento e faz o raciocínio transpirar e quebrar. É o ritmo e poesia, em inglês rythm and poetry, ou rap, que treina a rapidez da articulação de palavras, mexe o cerebelo e ainda por cima fala um pouquinho de filosofia e sociedade. E é um dos elementos da cultura Hip-Hop, que confidencio: não vai mudar o mundo inteiro, mas muda a forma como vemos o mundo. Ferramenta, não salvação. Hip-Hop não é Jesus Cristo, nem Buda, nem Abraão, nem faz milagres, mas acredito nele piamente.

Às vezes também o dia é ensolarado, ou nem isso, mas entro nas ondas do ska, do rocksteady e do reggae. Se o blues me leva ao firmamento, se o jazz me faz olhar para os lados e se o rap força-me a olhar para a frente, são as batidas de natalidade jamaicana que me fazem ver além, como uma quarta dimensão. Principalmente na música da Lança Flamejante, ou Burning Spear, ou outros homens e mulheres que resistem no Terceiro Mundo.

Quando o dia tá mais pra ginga, um balancinho, uma fala por vezes maliciosa e um amor (in) compreendido, o dia tá pra samba. E o samba é engraçado por que é, ao mesmo tempo, um ensinamento que vem de cima e vem debaixo também. De cima do morro e debaixo dessa porra de sociedade, mas pra mim tá valendo, e nem faço questão de pensar nisso. O importante é que poesia não se joga fora, tando doente do pé ou não. Malandragem dá um tempo.

Ruas da Minha Infância - 19/02/2006

Ruas da minha infância
que nunca tiveram infância
Já nasceram desvirginadas
Muito embora sejam tão herméticas!

Ruas da minha infância
viram milhares passando por vocês
Mas quem as rege, guarda, protege?
Droga, sou mais um anjo caído

Ruas da minha infância
imitando estreitas vielas d´Europa
No entanto tão simplórias
Fazem por merecer

Ruas da minha infância
que o Tempo se encarrega de enterrar
Não me julguem vingativo
Por que em vocês deixei de morar

Ruas da minha infância
guardem suas Marias, seus Joões
Num piscar de olhos não estão mais aí
Simpáticos olhares pelos portões

Ruas da minha infância
de sobradões acabados,
Nunca os esqueço
Nem dos velhões atrasados

Ruas da minha infância
batalhas campais da imaginação
Aeroportos de pipas e papagaios
Junho: base de chinesinhos!

Ruas da minha infância
cacos, farrapos, fiapos
Na insistência prendem-se à mim
Não faz mal: mais feliz sou assim.