terça-feira, 29 de abril de 2008




E o índio, adstrito à étnica escória, tendo o horror no rosto impresso, recebeu o achincalhe do progresso,
anulando-o da crítica da história!

De repente, acordando da desgraça,
viu toda a podridão de sua raça na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone, exercia sobre ele ação funesta.

Desde o desbravamento da floresta
à ultrajante invenção do telefone!



Augusto dos Anjos

terça-feira, 22 de abril de 2008

Renovar é (sempre) preciso

Homem é homem porque renova
Fosse o contrário, era bicho,
Mordendo a velha isca do mesmo velho pescador

Sou homem, sou homem, porque renovei
Criarei novas estórias e histórias
De lealdade me farei

Não faço idéia do porquê meu nome ser tão especial
Mas o dono dele sou eu
E, quem sabe, por você viverei.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Samba para a Diomaíoch

Ingratidão tem a mesma sensação
Aqui, acolá, n'outro lado do mundão
Mudam só as palavras
Mas e aí, seu moço?
Onde fica o coração?

É tanto formalismo,
É tanta desconsideração,
Considere então, seu moço
Que o lado frio do mundo
Deixa o coração é mais insosso

Mas, com pesar há de dizer
Que sepulto tua ingratidão
Não tem distância, não tem retrato,
Não tem mais nada
Morreu o teu sorriso ingrato!

Seu moço, que sorriso ingrato
Considero um desacato
Ao meu coração

Seu moço, que sorriso ingrato
Considero um desacato
Ao meu coração.

terça-feira, 15 de abril de 2008


"Sem título" - Conrado Secassi Agarelli


"Eu não sei se a vida é que vai rápida demais ou se sou eu que estou mais lento. O que sei é que ando me atropelando nos próprios passos. Eu resolvi desacelerar. Eu vou no ritmo que posso.
Não é fácil. É sabedoria que requer aprendizado! Eu quero aprender. O descompasso é a causa de todo cansaço. O corpo é rápido, mas o coração não. O corpo anda no compasso da agenda. O coração anda é no compasso do amor miúdo. O corpo sobrevive de andares largos. O coração sobrevive de pequenos passos e de demoras. Eu já fui e voltei a inúmeros lugares e o coração nem saiu do lugar.

O mistério é saber reconciliar as partes. Conciliar um ritmo que seja bom para os dois.
Eu quero aprender. Não quero o martírio antes da hora. Quero é o direito de saborear o tempo como se fosse um menino que perdeu a pressa."

(Fábio de Melo)

sábado, 12 de abril de 2008

A Tarde




Pensem num homem de Neanderthal deixando sua morada rupestre e entrando na zona de caça.


Pensou? Óquei.


O período vespertino do meu dia é passado em termos geográficos na opulenta região da Avenida Brig. Faria Lima, um dos centros do capital na capital. O homem observador que agora vos escreve tentará humildemente relatar um pouco deste universo permeado de falsos sorrisos, de ternos mocassin, de carrocinhas, Ferraris, de camelôs e trânsito intenso; escala Richter 9.9 das discrepâncias que uma sociedade singular como a nossa pode oferecer.


É lógico e claro, meus camarás, que sendo isto um weblog, não me eximo de ser um pouquinho parcial. Só um pouquinho. Até porque o meu lado da guerra eu já escolhi há alguns bons anos. E não é o lado de cima da tabela.


Bons eram os tempos machadianos em que o vencedor ficava com as batatas, e ao perdedor, sobrava piedade e compaixão. Na São Paulo do século XXI, nem tais atitudes reservam-se mais aos perdedores. A eles, relega-se o canteiro central da Faria Lima. Aqui não funcionaria nem o Humanitismo de Quincas Borba e nem mesmo Humanismo. O que funciona aqui é o ato de vencer na vida, plagiando as revistas Exame e Você S/A - é óbvio que só existem vencedores quando alguém perde - e isso eu nem poderia plagiar em tais publicações, porque elas são voltadas ao público que não fica no canteiro central da avenida.


Como toda cultura, também a corporativa acumula símbolos que visam seu fortalecimento e a sua identificação (vide Jung). Quatro seguranças armados até os dentes e guarnecendo o Shopping Iguatemi são, sem dúvida, alguns destes símbolos. A Mercedes-Benz parada em cima do farol de pedestres quando o sinal está verde para estes também o é; assim como o rosto que figura as notas de dinheiro brasileiro, ridiculamente decorando e encimando os capitéis de um arranha-céu neoclássico. O mesmo rosto em relevo de pedra sorri cinicamente para os transeuntes que passam preocupados e sem um puto no bolso, além de bater em breguice o Reginaldo Rossi e o Wando juntos. Din-din é garantia de sorriso, mas os sorrisos não garantem o din-din. Ainda assim, o camelô na calçada sorri aquele sorriso lindo de gente negra, e não se dá por vencido, ainda que a labuta seja árdua e que fique em pé o dia inteiro - o seu banquinho é sempre emprestado à senhoras de mais idade e mulheres na espera do ônibus. Na marcha a pé ou na condução, vejo tais cenas e o pensamento é inevitável: algo está muito errado.


Mas para quem tem Deus como o seu maior guia as diferenças são naturais e não se pode lutar contra elas. Elas só diminuem através do trabalho, pesado e feroz. Pelo menos é o que diz o pregador suado, Bíblia em punho, quando se passa pelo Largo da Batata, ainda que o vencedor e suas batatas estejam muito longe dali. Aliás, nem tanto assim, são só vinte andares acima do chão, empoleirados em edifícios, mas o suficiente para que sua vida e a dos perdedores que estão em terra nunca se amarrem.





Continua...


quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Manhã

Mais um dia de trabalho, no atolamento do meio da semana. Como sempre, tomo o ônibus visando chegar a Pinheiros. Muitas vezes, com atraso; outras, em situação confortável de tempo. Uso o aparelho de emepê-três emprestado de meu pai e recheado de artistas e grupos de meu feitio: B.B. King, Miles Davis, Jimmy Cliff, Parteum, Muddy Waters, Ray Charles, Black Alien, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, James Brown, músicas tradicionais nordestinas, toda uma farofada de blues, jazz, soul, funk, emepê-bê, reggae, raggamuffin, rap, entre outras coisas que passam à distância das Transaméricas, Jovem-Pans e Oitenta-e-Noves da vida afora.

Há muitos negros no busão, há mestiços, mulatos, sararás, cafuzos, brancos, uma farofada bem diversa, há os que vieram da Paraíba, Ceára, muitos provém da boa Bahia. No caso de outros, os olhos claros e os rostos de rapazes do interior denunciam: são migrantes do Sul, em especial, das zonas rurais do Rio Grande e de Santa Catarina - contratados a preço de banana para trabalhar em churrascarias paulistanas afim de "europeizá-las". Alguns são idosos, o rosto fragmentado, a vista cansada e opaca de tanta luta diária; existem as evangélicas, em que a grande maioria usa óculos - presumo que as Bíblias com letras minúsculas tenham lhes provocado o seu uso. Existem crianças, alguns são moleques que passam por baixo da catraca e vão esmolar em regiões mais centrais - estes parecem pirilampos com infinita energia - brincando como crianças devem brincar, com a diferença de que estão dentro da condução. Não se inibem. Tem cara de galeguinhos, talvez frutos de algum patrão que transgrediu a dignidade de sua empregada doméstica. Outras crianças usam calções de futebol e chuteiras bem velhas e gastas, e conversam alto e riem muito, magros de dar dó, mas todos os dias vão à escolinha do São Caetano para buscar um futuro dentro dos gramados. Poucos conseguirão; outros continuarão andando de busão, mesmo velhos.

Há o rapaz que anda sempre de preto e usa uma corrente de prata falsa com a efígie de São Jorge perfurando o dragão; existem as moças que ficam incomodadas por tanto desejo da massa masculina - estranho, porque possuem tatuagens nos seios e parecem nem usar calcinhas, de minúsculas que são; vez por outra, roubam a cena os vendedores, embora os produtos não sejam tão variados como nos trens: quase sempre balas e chocolates, e interessante, nenhum doce causa cárie nos dentes, sempre aprovados por alguma associação imaginária de odontologia. Certas vezes, o motorista atende a pedidos de passageiros e negocia com os meninos dos jornais gratuitos "Metro" e "Destak" para que forneçam 50 unidades. E o busão prossegue o itinerário, sempre com percalços: se não quiser trânsito, ande de ônibus nos 10 primeiros dias do ano. Ele só parará nos sinais.





Continua...

quarta-feira, 26 de março de 2008

São Paulo: Uma cidade limpa. Dos pobres.


O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, na ocasião em que chamou
um aposentado reclamando seus direitos de vagabundo.

Na Cidade de São Paulo 1,6 milhão de pessoas moram em loteamentos irregulares; 2 milhões em favelas; 600 mil em cortiços e 13 mil nas ruas. O município, através da Lei 13.340 de 13.09.2002, aprovou seu Plano Diretor, dispondo de inúmeras regras de combate à especulação imobiliária e de ordenação do crescimento planejado de nossa metrópole, criando a ZEIS (Zonas Especiais de Habitação de Interesse Social). Não obstante o acarbouço jurídico extremamente avançado do ponto de vista urbanístico, assistimos na Cidade de São Paulo uma dicotomia. De um lado vivenciamos um enorme volume de investimentos e conseqüentemente um boom de expansão imobiliária nunca antes visto na história de São Paulo – com lançamentos imobiliários de luxo (uma unidade custa até 5 R$ milhões de reais), recursos suficiente para construir 125 casas populares.

Por outro lado um em cada seis paulistanos vive em favelas – demonstrando que nem mercado nem governos conseguem diminuir o absurdo déficit habitacional paulistano, tampouco resolver a questão fundiária e dotá-los de infra-estrutura básica (água, esgoto, iluminação e equipamentos públicos) os conjuntos habitacionais, favelas e loteamentos – impossíveis de serem removidos ante a realidade social. Enquanto a população de baixa renda sobrevive em condições precárias de habitabilidade, o setor privado e o poder público investem bilhões de reais no mercado imobiliário, beneficiando tão somente as corporações capitalistas do setor. O problema não é de legislação e sim de opção política, pois a nossa Constituição, o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor são referências mundiais de marco jurídico para a justa distribuição da terra e regularização fundiária urbana.

O prefeito Kassab tem adotado uma política sistemática de gentrificação (processo de substituição da população mais pobre pela de mais alta renda em determinadas regiões da cidade). O projeto cracolândia, as constantes remoções de favelas e de cortiços, fechamento de sedes de entidades sociais, repressão contra os ambulantes e os despejos violentos de áreas localizadas em torno das regiões nobres são exemplos da peserguição implacável contra os pobres da cidade. O programa “Cidade Limpa”, que, aparentemente é destinado para acabar com a poluição visual em nossa cidade, acoberta, na verdade, uma política “higienista”, chefiada pelo secretário das Subprefeituras, o tucano Andréa Matarazzo e o também tucano Floriano Pesaro, Secretário de Assistência e Desenvolvimento Social. O propósito é “varrer toda sujeira” da cidade – situação comparável somente com a chamada reforma urbanística e de saneamento ocorrida no início do século passado na Cidade do Rio de Janeiro, quando o comércio ambulante foi proibido, moradores expulsos de suas casas e vacinação da população supostamente atingida com epidemias.

A sociedade civil não pode ficar inerte diante dessa política de higienização – que valoriza o capital imobiliário em detrimento do massacre e exclusão de milhares de pessoas. É necessária uma reação para denunciar e barrar essa política de cidade limpa, dos pobres.

Raimundo Bonfim é advogado e Coordenador-geral da CMP (Central de Movimentos Populares) do Estado de São Paulo.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Paixão

Agora não quero nem saber, tinha que manter uma imparcialidade do blog e tal, mas agora vou deixar toda a sorte de outros temas de lado e dizer que merecemos ser de fato campeões! Quanto o time é de fibra, de guerreiros, sempre vai merecer...!

E é por isso que escolhi a Sociedade Esportiva Palmeiras como o clube do meu coração. Porque é um time de guerreiros.











Combinações




Bairro do Brás. São Paulo.






1. Na virada do décimo-nono para o vigésimo século da Era Cristã, viviam mal - aquela gente das províncias mais ao sul do Vecchio Paese, a Itália. Lavradores miseráveis, mas de certa forma letrados, tocados pela utopia anarquista. Tiveram que fugir em questão da noite para o dia - a pena para o crime de professar sua liberdade política era a morte. E corre para o porto internacional mais próximo, porque a cavalaria do rei vem aí. E vem pra fuzilar aqueles que queriam fuzilar o rei. É a lei de talião, olho por olho e dente por dente. Destino: Brasil.


2. Mesma época, mesmos problemas, é em Treviso, norte da Itália, que os descendentes de algum Francesco, como delatam seus sobrenomes, Secco e Secassi, decidem também dar um basta em tanta miséria e rumar para um novo horizonte em Novo Horizonte, cidade caipira do Estado de São Paulo. Fugiram também, mas fugiram por aquilo que não escolheram: nascer num berço de pobreza.

3. E dos Pireneus, cadeia de montanhas que separam França e Espanha, surge um tal sujeitinho de nome Jean-Baptiste Lafont, que decide tentar a sorte do outro lado das montanhas e conhece a espanhola Maria Sanchéz, com quem veio a amar e casar. Torna-se cidadão ibérico. No meio de uma confusão histórica, presumo que tenha tentado a carreira no exército de Su Majestad e parte para a luta contra os ianques norte-americanos em Cuba, colônia espanhola. A Espanha sai derrotada e Cuba, independente mas dependente e explorada por seus colegas norte-americanos. Numa das pelejas, seu batalhão é estraçalhado e ele resolve fingir-se de morto. Os americanos que passavam queriam comprovar a morte de todos os espanhóis e botavam-se a enfiar as adagas de suas carabinas em todos os pescoços que encontravam. Jean sobreviveu a isso, mas muitos anos mais tarde, já no Brasil, veio a falecer de um câncer surgido em sua traquéia. Assassinado a longo-prazo.

4. E é no interior da Bahia, Brasil, que encontramos outros personagens, gente que tinha lusitanos e sertanejos por ascendentes. Decidiram eles largar aquela terra que nada dava e que vivia seca a maior parte do ano, terra de cangaços e Antônios Conselheiros, terra de velhas histórias da noite e do luar do sertão, encruzilhada de caixeiros-viajantes e soldados da polícia em caça à Lampiões e Virgulinos. Rumaram pelas próprias pernas, segundo ouvi, para o sul das Minas Gerais. Foi em Arceburgo, sul de Minas, que Nídia Anacleto, a baiana, conheceu Hugo Pessuti, o mineiro. São os falecidos pais de meu avô. E segundo meu avô, Arceburgo tem por peculiaridade nunca mudar o seu número de habitantes - toda vez que nasce uma criança, foge um rapaz.

O resultado de tão antigas combinações é este que vos escreve. Com sangue italiano, francês, espanhol, português, brasileiro e baiano, quiçá indígena, filho dos bairros operários da Mooca e Brás e dos subúrbios provincianos da Vila Prudente, lugar onde os filhos e netos de todos aqueles ilustres personagens (pelo menos para mim) conheceram-se e procriaram-se.

Eu.









domingo, 16 de março de 2008

Situação

Quando o salário é mal, o amor é escasso e o encalhe um fato, resta a consolação da arte.
A paixão mais duradoura e sincera.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Lar

Há muito saí de meu berço de velhos tijolos
Terra Mater de minha existência conceitual
O maior celeiro de índios da extinta Vera Cruz
Por tempos, nação das muralhas de operários e seca fumaça
A paradoxal província dentro do centro
Meu velho lugar, zê-éle, Formosa é a vila
Saudosa maloca
Ainda vive sem mim, Mooca
E nesse reclamar insistente,
Ainda vive também, ó Vila Prudente
Como se tivesse enterrado um tesouro de piratas
Desde que as deixei, estão ainda iguais;

Em exílio, aprendi e apreendi de fato o mundo
E dele comecei a fazer parte
As longitudes e latitudes da minha mente aumentaram
Virei homem, sujeito-homem, H.Aço
Cabra-homem, bicho grilo, bicho solto
Hoje sou diferente
Portanto,
Homem sensível coberto de sedimentos do mundo
Que ventou em mim, na primeira vez que encontrei-o
Na primeira vez que me vi sem lugar
Sem identidade geográfica
Perdido, órfão de meu universo pessoal
Mas, renovar é preciso

E, sabe o exilado que depois de muito tempo volta ao seu país,
e sente que não mais pertence àquele lugar?
Pois é.



segunda-feira, 3 de março de 2008

O que acontece em Gaza?




http://blogdobourdoukan.blogspot.com/

Parabolicamará




Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande

Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena parabolicamará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
Antes longe era distante
Perto, só quando dava
Quando muito, ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos montes, dentro de casa, camará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
Pela onda luminosa
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa

Pra aprumar o balaio

Quando sentia que o balaio ia escorregar
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
Esse tempo nunca passa
Não é de ontem nem de hoje
Mora no som da cabaça

Nem tá preso nem foge
No instante que tange o berimbau, meu camará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
De avião, o tempo de uma saudade
Esse tempo não tem rédea
Vem nas asas do vento
O momento da tragédia, Chico, Ferreira e Bento
Só souberam na hora do destino apresentar
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará

"O refrão "Ê, volta do mundo, camará", eu sampleei também de um verso muito comum em qualquer roda de capoeira. É uma maneira de cantar a vastidão do mundo, que também carrega a certeza de que o mundo vai e volta, e que na próxima volta – na volta também coreografada pela dança-luta – quem hoje perde pode se tornar o vencedor. Tudo muda, o tempo todo. E só quem sabe entender a mudança pode conquistar a vitória, ou melhor, vitórias, sempre parciais."

E pra quem quiser escutar, tá aí. É só baixar:

Gilberto Gil - Parabolicamará

http://www.zshare.net/download/8414909976a43d/

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Em dia.




Tudo haveria de ser diferente, mas certas coisas e pessoas não tem força suficiente para passar de um mero futuro do pretérito. E apesar de supostamente não me dizer respeito, porque já não há mais elo, digo que fico puto. Porque comportar-se de tal forma? Há imaturidade mesmo naqueles(as) que possuem mais "responsa" e "racionalidade".

Se há um sujeito que possa personificar calma e paciência nesse mundo, tal sujeito sou eu. A parte impulsiva e explosiva, digna do meu elo com o meu arquétipo mais vibrante e com o "sobrenatural", fica quieta, e já é pentacampeã mundial de pagação de sapo. Há estopim para tudo. Palavras mal-ditas são comparavelmente iguais ao fogo no rastilho da pólvora. Talvez pessoas ingratas também. E egoístas, e dignas de uma pedra rolante do Bob Dylan, porque julgam que seu mundo é independente do elo que mantém com irmãos da mesma espécie humana e estúpida, humanos burros que tocam na mesma tecla e no mesmo coração, humanos que insistem em humanidade num mundo tão artificial, insensato, cinza e ao mesmo tempo publicitário, vazio e sem sentimento. É só profissionalismo maquinal, é só a busca do eterno crescer na vida sem resposta, é só desrespeito com sentimentos de outrem e terceiros. A tua viagem, viagem sem fim, não há pote de ouro no fim.

Artistas tem um filtro especial de palavras. Sabem muito bem quando devem e quando não devem ser ditas. Ora, no princípio era o Verbo, e Ele deu origem a tudo. Só que o Verbo, a palavra, a idéia é vazia quando desprovida de ação e atitude. E já tinham me avisado que só se ama muito quem se mostra disposto. Fora isso, é fonética vã e vaga, é pura onda sonora viajando no ar.

Bom, se este pequeno texto soa um tanto poético demais, pois tanto melhor. A questão é simples e diz que ingratidão é punida com ignorância e desamor é punido com distância. O melhor remédio.

Viva bem.

Outras merecerão mais a pessoa que perdeste.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Salve Comandante! - Sérgio Vaz


"Em vez de nos agredirem como nos agridem, por que é que não fazem simplesmente uma pergunta: como é possível que Cuba em 30 anos tenha feito o que a América-Latina não fez em 200 anos? ", Fidel Castro


"Cuba me lembra as periferias do Brasil, pelo menos na questão do embargo econômico, parece que todos estão proibidos de levar benfeitorias para as quebradas. Só que aqui que eles fazem isso sem pressão alguma. Viva a democracia!
Sou contra qualquer ditadura, qualquer uma, tanto de direita quanto de esquerda, que fique bem claro isso. E também sou contra qualquer Democradura, tipo Estadunidense ou Brasileira, na qual você pode falar tudo que quiser, desde de que ninguém te escute.
Tenho asco a esse nosso direito de ir e vir, desde que a gente saiba onde a gente está pisando. Tenho raiva desse nosso direito de andar livremente pelos esgôtos a céu aberto, de ruas sem asfaltos e mergulhar nas águas profundas das enchentes nos dias de chuva.
Não quero e não aceito esse direito de optar a estudar e não estudar ou ser analfabeto contra a minha vontade, e ter a obrigação a votar em raposas democráticas e velhacas que assombram o galinheiro.
"Somos um povo alegre", me diz a TV. Mas aí quando eu olho, a gente não se vê.
Veja os jornais por exemplo: estão cheios de liberdade de expressão, desde que escrevam as manchetes do patrão. Não é bacana?
Ufa!, ainda bem que aqui não tem paredão, só chacinas -não sei se o nosso povo lindo e trigueiro aceitaria ver pessoas morrerem injustamente. Para quem não sabe, no Brasil, a gente dá muito valor à vida. Sei.
Dizem que lá o povo todo vive na miséria e que eles nem têm carros novos.
Aqui não. Aqui, só nós somos os miseráveis, los otros...
Lá dizem que lá o povo é triste e não tem batucada, já aqui, eles, usam a nossa pele como tamborim, e sambam o ano inteiro sobre nossa carcaça.
Acho que o regime ideal seria aquele em que uma pessoa estivesse comendo alguma coisa e a outra não estivesse esperando para lamber a sua mão.
Aquele em que a gente tivesse a nossa casa e as outras não fossem inquilinos da rua.
Regime ideal é aquele onde o povo não é anoréxico, e que não tem vergonha de comer o fígado dos traidores da nação.
Regime ideal é aquele que o povo come os livros e não coloca o dedo na garganta, mas na cara do inimigo, e depois, vomita na cara da injustiça.
Nesse mundo repleto de bunda-moles, Fidel vai fazer muita falta.
Valeu hermano!"

Por Sérgio Vaz
(http://colecionadordepedras.blogspot.com)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Fé em São Jorge Preto




Por Gabriel Rocha Gaspar

Jorge Ben pintou em 1963 com seu esquema novo de fazer samba, que tirava a bossa nova da sala e atacava na cozinha, de aventalzinho e tudo. O som era mistura de samba de morro com samba branco de classe média, apaixonado pelo jazz e pelos standards americanos, mas também pelo terreiro, pelo beco, pela cachaça. Ben surgiu como cara preta da bossa nova, brasileira, declarada e ostensiva, sem renegar a contribuição musical dos brancos brasileiros e dos afro-americanos.

Caetano Veloso confessa em seu “Verdade Tropical”: “sua agressividade alegre e sua musicalidade deixando à mostra traços crus de samba de morro e blues numa composição de exterioridades nordestinas eram a encarnação de nossos sonhos. Parecia-me que minha ‘Tropicália’ era mera teoria, em comparação”. Ben era mais realista que o rei – ou mais tropicalista que o tropicalismo – no ímpeto pela mistura. Pode até ser coincidência, mas isso tudo combina tanto com o nome Jorge...

Isso porque São Jorge é – com licença, Caetano – a mais completa tradução do sincretismo religioso no Brasil. Seja o guerreiro palestino do século III ou o ferreiro africano casado com Oiá-Iansã, sabemos que, por aqui, ele protege os guerreiros e os pobres; é senhor do fogo, das armas, das facas, lanças e espadas. Santo guerreiro cuja imagem é tão indispensável quanto a roupa do corpo; santo escudo, sério, forte e agressivo, para ser evocado só quando caminhamos pelo vale da morte.

“Jorge de Capadócia” é tudo isso, em palavra, som e poder – seja na voz do próprio compositor ou dos Racionais MC’s. Faltou falar da gravação de Fernanda Abreu com Carlinhos Brown; faltou a do próprio Caetano também, não é? Só para constar, lá vai, em poucas linhas: a primeira faz uma colagem, tenta colocar funk, black, terreiro, bossa-nova e dance dentro da mesma coisa. Soa, no mínimo, desconexo. A gravação do Caetano é, como o nome do disco em que ela aparece anuncia, “qualquer coisa” – o arranjo inteiro prepara terreno para uma apoteose do próprio Caetano, no agudo do agudo do “salve Jorge!”. Meio over...

Solta o pavão
A gravação original foi lançada em 1975, no disco “Solta o Pavão”, penúltimo antes da migração definitiva de Ben para a guitarra. Tudo começa com o clássico violão suingado, acompanhado de João Zim no agogô, batendo tempo e contratempo. A batida surda do bumbo apresenta as vozes de Ben e do Coral do Kojak, entoando “Jorge... de Capadócia”. O estilo do canto evoca o gospel dos negros americanos – principalmente porque Ben aproveita os espaços entre as vozes do coral, com frases como “salve Jorge! Viva Jorge!”, tal qual um pastor. A marcação forte sugere palmas. Depois do último “Jorge...”, a levada da música muda bruscamente.

Entra um teclado em mi menor que não soa triste, mas denso e pesado. Parece música de filme de guerra, sinistra. Principalmente quando entra o arpstrings, que imita o som dos violinos e coros de uma orquestra. Jorge Ben entoa a oração a São Jorge Mártir: “Jorge sentou praça na cavalaria...”. As várias percussões, em primeiro plano, sugerem um terreiro – não pelo tipo de toque, que é de parada militar (pra-cum-dum), constante, mas pelo som seco do atabaque, indissociável das tradições negras, da capoeira e do candomblé.

É sincretismo para todos os lados. A oração é a mesma do santo cristão, mas os instrumentos são africanos; o som do arpstrings remete tanto à música clássica quanto ao gospel americano. E tudo soa improvisado, como boa parte da música de Ben até o final dos anos 70. Parece que saiu ali, na hora. Improviso não é novidade em se tratando de Jorge Ben, mas, aqui, tem algo de novo: o violão é constante, invariável. A virtuose está na voz do mestre, que se distancia léguas da bossa-nova, beirando o berro e a desafinação.

É isso que quebra o tom solene da gravação – no meio da reza pintam uns “sensacional!”, “maravilha!”, “em cima!”. É aquele canto de pergunta e resposta, característico da música negra no mundo inteiro. Está na obra de gente tão diversa quanto Fela Kuti, Bob Marley, Salif Keita, Ladysmith Black Mambazo, Aretha Franklin, Olodum, no samba de breque, no R&B dos 50, 60 e 70, enfim... É som de igreja, coletivo, canto escravo e tribal. É uma espécie de animação, transformando a tristeza de cada um em um desabafo de todo mundo, que puxa para a dança e as palmas. Se tem, não sei, mas garanto que é difícil localizar essa “terapia coletiva” na música de origem européia. O canto coletivo europeu parece tender mais para o hino e para o louvor.

Jorge africano
Por isso, “Jorge de Capadócia” soa tão profundamente arraigada na religiosidade e espiritualidade negras, apesar de glorificar um santo “importado” dos brancos. Extrapolando um pouquinho a letra da música, poderia dizer que este Jorge nascido na cidade de Capadócia é, na verdade, o Ogum natural de Ifé, seu correspondente no candomblé carioca e paulista. Ogum é guerreiro, senhor das armas (“...se quebrem sem o meu corpo tocar”), evocado nas batalhas quando o inimigo é forte e poderoso (“para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem!”).

O fotógrafo e pesquisador Pierre Fatumbi Verger conta em seu livro “Orixás”, que Ogum voltou a Irê depois de muitos anos para visitar seu filho, rei daquela cidade. “Infelizmente, as pessoas da cidade celebravam, no dia de sua chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de palma, mas ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter ficado ausente por muito tempo. Ogum, cuja paciência é pequena, enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que seu filho apareceu, oferecendo-lhe suas comidas prediletas, como cães e caramujos, feijão regado com azeite de dendê e potes de vinho de palma. Enquanto saciava sua fome e sua sede, os habitantes de Irê cantavam louvores onde não faltava a menção a Ògúnjajá, que vem da frase Ògún je aja (“Ogum come cachorro”), o que lhe valeu o nome de Ògúnjá. Satisfeito e acalmado, Ogum lamentou seus atos de violência e declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora. Antes de desaparecer, entretanto, ele pronunciou algumas palavras. A essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em socorro daquele que o evocou. Porém elas não podem ser usadas em outras circunstâncias, pois, se não encontra inimigos diante de si, é sobre o imprudente que Ogum se lançará”.

Em uma discussão, tomar Ogum por testemunha, tocando a lâmina de uma faca com a ponta da língua, é sinal de sinceridade absoluta. Coisa séria. Racionais MC’s bem sabem disso.

Ogunhê!
“Ogunhê!” é a saudação a Ogum, quando ele baixa. “Ogunhê!” é como começa o que talvez seja o disco mais incisivo dos Racionais MC’s, “Sobrevivendo no Inferno”. O álbum os alçou definitivamente ao estrelato, com faixas como “Diário de um Detento”, “Capitulo 4, Versículo 3”, “Em Qual Mentira Vou Acreditar” e vários outros, digamos assim, sucessos. Esse “digamos assim” é proposital. Porque, quem é louco de evocar o poder de Ogum para fazer sucesso?

A chamada de Ice Blue mostra duas coisas: que o disco vem preparado para a guerra; e que Racionais confiam que o santo está do seu lado. O chamado substitui o gospel de Ben na introdução, mas o gospel está em cada segundo da música escolhida por Kl Jay para fazer a base. “Ike’s rap II”, de Isaac Hayes não é exatamente uma música cristã – apesar de integrar o álbum que leva o incisivo nome de “Black Moses” – e ele próprio está bem longe de ser um bom samaritano. Sua fama de proto-rapper gringo deriva não só de seu talento em recitar poesias sobre bases de funk e soul, mas de seu trato explícito com as mulheres e da exibição ostensiva de seu patrimônio.

Mas Hayes foi um garoto pobre de Covington, no Tennessee. Passou fome, catou algodão nos campos do sul – o que suscita em qualquer negrão a memória ancestral da chibata – e cantou na Igreja desde os cinco anos de idade. A música coletiva negra, o gospel em especial, é poderosa em exorcizar males pelo desabafo e pela universalização. O gospel é algo embutido na própria religiosidade do negro. Ultrapassa as fronteiras da religião em si.

Pode estar aí a relação entre a escolha da base e a alma gospel. Apesar do vocal que tende ao soul, da batida típica do rap americano e do solo chorado de guitarra, tão bluesy, essa é a gravação que melhor dialoga com a original – considerando as desconsideradas de Caetano e Fernanda e Carlinhos Brown –, mesmo sem percussão nem violão. Isso porque a evocação de Ogum é como um grito de largada para a improvisação vocal que guia a música inteira, desembocando em um “salve Jorge” melancólico, contrastante com o de Caetano. “Ogunhê!” soa aqui como um lastro de confiança na luta: a certeza de que a palavra mágica voltará o santo contra os inimigos.

Passada a prece, feita com solenidade e devoção, tanto a São Jorge quanto a Ogum, a música sofre um corte abrupto e Mano Brown joga na mesa as suas cartas: uma Bíblia velha e uma pistola automática. Aqui, as armas de Jorge.



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Esse é pra "Chinesa Gorda"

Querida Fanny Zhou, como uma de nossas paixões musicais é o Dub, estilo derivado da Reggae Music, vou disponibilizar a tu algumas músicas do que eu considero um verdadeiro achado: Asian Dub Foundation. Faz pouco tempo que os conheci, mas já fiquei de cara no negócio. Bom mesmo! E é dedicado a você, cara amiga de olhinhos puxados!












Bom, então vê um breve histórico da banda nesse site do caderno Ilustrada, da Folha:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u58876.shtml

"Quando as velhas denominações se acabam, novos rótulos são aplicados. Urbano, crossover, fusão – é como tentar retratar um vulcão. Então que venham os grupos de foco, os demográficos ultra específicos e as entusiasmadas empresas de pesquisa. Simplifiquem. Não arrisquem-se. Lancem as Britneys robôs, as exterminadoras loiras-platina, os belos meninos brancos que transformarão ira urbana em fantasias masturbatórias do subúrbio. Histórias ganham ritmo. Culturas florescem. Certezas sangram umas em outras. E, mais que qualquer outro grupo de músicos no planeta, o ADF articula e personifica esse processo sem fim. O ADF é o som de uma monocultura explodindo."



Asian Dub Foundation - Fortress Europe:
http://rapidshare.com/files/92111042/209-asian_dub_foundation-fortress_europe__jazzwad_remix_.mp3.html

Asian Dub Foundation - Culture Move:
http://rapidshare.com/files/92112436/202-asian_dub_foundation-culture_move__pusher_sound_mix_.mp3.html

Asian Dub Foundation - Siberian Slengteng:
http://rapidshare.com/files/92113268/204-asian_dub_foundation-siberian_slengteng.mp3.html

Asian Dub Foundation - Modern Apprentice:
http://rapidshare.com/files/92114406/207-asian_dub_foundation-modern_apprentice.mp3.html

Asian Dub Foundation - Debris:
http://rapidshare.com/files/92115553/09_-_asian_dub_foundation_-_debris.mp3.html

Asian Dub Foundation - Th9:
http://rapidshare.com/files/92116248/07_-_asian_dub_foundation_-_th9.mp3.html

Asian Dub Foundation - Th9 (Acid):
http://rapidshare.com/files/92117333/11_-_asian_dub_foundation_-_thacid_9_dub_version_.mp3.html

Asian Dub Foundation - Rebel Warrior:
http://rapidshare.com/files/92118496/04_-_asian_dub_foundation_-_rebel_warrior.mp3.html

Asian Dub Foundation - Jericho:
http://rapidshare.com/files/92119576/03_-_asian_dub_foundation_-_jericho.mp3.html

Bom, recomendo sem frescura todas essas músicas. Se você gostar, ponho mais, porque já possuo uma porrada.

Tenho outro negócio interessante aqui que você também pode baixar neste site:
http://www.radiolaurbana.com.br/index.asp?Fuseaction=Conteudo&ParentID=3&Menu=3&Materia=1409
Aí, no capítulo intitulado "Jamaica Hi-Fi 9", encontram-se quase uma hora seguida de músicas de grupos de ska, reggae e dub que exploram ao máximo a linguagem de seus estilos. É válida a influência eletrônica e também dos nyahbinghis (tambores africanos), em várias das músicas. Recomendo também.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Abrem-se os Umbrais da Madrugada - outubro de 2006

Já passa da meia-noite
E espero o ferro-velho ambulante
Já não suporto mais
O peso de mais um dia vivido
No entanto, sou subtraído
Pelas divagações da madrugada
E, em meio a centenárias construções
Sinto-me num cenário noir
Brumas, sereno e névoas
O mistério espreita a cada esquina
Embaixo das opacas e públicas luzes
No aconchego da solidão e do inóspito
Quase posso ouvir o estalo de uma porta distante
De repente, volto à realidade:
E que cinismo de realidade!
Ao longe, um louco
Recitando versos insolentes
Para seus deuses inexistentes
Olha para mim como se eu fosse o avatar
Do próprio Deus da Loucura!
Murmura soberbo línguas ancestrais,
E sai correndo,
Temeroso de sua própria sombra...
No ar, um odor fétido me embriaga
E reparo nas fezes não de um cão,
Mas sim de um ser humano!
Ó, valorosa companheira
Se ao menos pudesse dialogar comigo...
Delirando com a atmosfera do resto de um resto
Delírio este que foi quebrado por um jornal
Que, carregado pelo vento cortante,
Cai por cima do fedorento e instantâneo amigo
E continuo só...
Tudo a minha volta é puro Submundo
E compartilho com Este que me rodeia
O último cigarro de um maço amassado
É, no momento, a única,
Única oferenda que entrego à este Deus
Deus sujo, decrépito e decadente
Mas que reina absoluto
Por entre vales, escarpas e quebradas,
De prédios horrendos e empoeirados
Cujas estilhaçadas fachadas somem com a névoa
Contribuo com a minha oferenda porca de tabaco,
E os tótens de pedra e aço somem ainda mais...
No entanto, minha desatenção é cortada
Pelo farol catequizador de minha condução,
Que chega finalmente
E digo "minha" porque vejo que ela está vazia
E sentando em seus bancos conquistei-a
Pensando, como um cavaleiro para o seu cavalo:
- Leve-me deste lugar amaldiçoado!
Amaldiçoado, mas fascinante,
E que o culto aos Deuses da Madrugada
Recomece amanhã,
Porque estarei aqui.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Renovação de Votos - 5/02/2008

É de inteira responsabilidade que assumo meus atos
E o rei dos deuses relembra-me, todos os dias,
De sustentar todo o meu mundo e o seu mundo
Em minhas costas
Mas não faço isso com pesar, apesar da amargura-agrura
Que esmaga homens e mulheres sem culpa

Todos os santos dias.
Embora o teu altar prossiga vazio

E é no olho já não tão bom que observa
Que sinto tão pesado fardo, irremediável,
Irreversível,
Que o Grande Olho diz ser irrisório
Tal qual a quantia em bolsos de bichos soltos

E o Sol febril ainda reina, ainda queima
Embora o teu olhar prossiga vazio

Aliciado pelas fileiras de tão filisteus exércitos?
É em ainda orgulhosa honra que profere-se um "não"
E a cada convite constrói-se um castelo de um homem só
Contra tudo e contra todos?
Por tudo e por todos
E é em orgulhosa honra que profere-se um "sim"

E o poder do dinheiro ainda vigora
Embora a tua mente prossiga vazia

Meu grito não mais é dirigido a direções amplas
Mas é tão inocente-furioso como agudo de Paganini
Tocou com uma só corda em teu violino, a lenda diz
E ainda que só uma corda vocal sobrasse
É com abrupta explosão de ar e ideal que prossegue

E a boa alface ainda é jogada ao lixo
Embora o teu estômago prossiga vazio

É, pois, com inédita reverência-paciência
Que não vos abandonareis, pois como vós sois sou
Sem divindade, sem messianismo, sem falsa pretensão
Eis o dragão mais subterrâneo-cutâneo que Jorge-Ogum
Já enfrentou
Ainda assim, doerá a vós, mas não a mim
Nego o alistamento, teu fuzil jamais carregarei
E mais leve parece o mundo
E a vida-luta continua.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Força Da Tradição No Mundo Ao Avesso

A modernidade anunciou o triunfo da Razão. Ela representou a possibilidade de construção de um mundo novo, de costas para o passado medieval, contra os valores morais e teológicos predominantes na Idade Média. Em seu lugar, impôs a racionalização do processo de produção, a impessoalidade nas relações, a dominação das elites que buscaram moldar o mundo ao seu pensamento, através da conquista de novos mercados, pela organização do comércio, a produção fabril e a colonização.

O triunfo da Razão, idéia essencial da modernidade, representou a substituição de Deus pela Ciência: as crenças religiosas foram relegadas à vida privada. A Razão fez tábula rasa da tradição secularmente fundada no predomínio das idéias e dos valores cristãos-medievais que submetiam o destino dos homens e, também, das formas de organizações sociais e políticas fundadas na crença e no domínio dos costumes.

“Tudo que é sólido desmancha no ar”: eis a síntese da modernidade. No lugar da segurança, da coesão social fundada na moral cristã-medieval, dos espaços territoriais bem definidos, de uma compreensão estática e perene do tempo, a força dos sentimentos e dos vínculos pessoais etc., a modernidade impõe a insegurança das incertezas, a crise dos parâmetros, a desarmonia. Como escreveu Berman (1986:15), o homem moderno vive sob o “redemoinho de permanente mudança e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”.

Contudo, a modernidade apresentou-se como uma utopia positiva que parecia dar novo alento à humanidade. Acoplada à idéia de ordem e progresso, infundiu a ilusão de que os homens finalmente caminhavam em direção à felicidade e à liberdade. Não por acaso, cunhou-se o termo iluminismo. Os filósofos das luzes iluminam as trevas da medievalidade; e confiam exclusivamente na Razão.

Esta percepção positiva da modernidade não está isenta de crítica. No seio do próprio iluminismo, Rousseau apontou os limites do progresso e da ciência e observou o quanto vivemos sob as aparências, numa sociedade essencialmente hipócrita e corrompida:

“Que cortejo de vícios não acompanham essa incerteza! Não mais amizades sinceras e estima real, não mais confiança cimentada. As suspeitas, os receios, os medos, a frieza, a reserva, o ódio, a traição, esconder-se-ão todo o tempo sob esse véu uniforme e pérfido da polidez, sob essa urbanidade tão exaltada que devemos às luzes de nosso século”. (Rousseau, 1978: 336)

Nós, homens e mulheres frutos desta modernidade, vivemos sob o signo de uma era onde, como na transição do homem cristão-medieval ao homem econômico racionalista, permeia a transitoriedade, o incerto, o fugidio, ou seja, a angústia da falta de perspectivas; da insegurança com o amanhã; o medo diante da ciência, da sua capacidade de criar novos Frankenstein e sua teimosia em desejar substituir o criador; o ceticismo diante do progresso; a sensação de que perdemos os valores fundamentais que dão coesão à vida em sociedade; a impotência diante do Estado e dos processos políticos etc.

A realidade social parece confirmar os piores prognósticos: o “admirável mundo novo” de Aldous Huxley parece se impor; ou, talvez o pior, confirma-se o imaginado por George Orwell em sua obra 1984. Não necessariamente através da imposição de um Estado Totalitário, mas pelo absolutismo de mercado que controla todas as esferas da sociedade, impondo o pensamento único e desenvolvendo formas de controle da privacidade, como por exemplo, os mecanismos de rastreamento e definidores de perfis de usuários utilizados por empresas comerciais via Internet.

Vivemos num mundo de pernas pro ar. Neste mundo ao avesso, milhares e milhões são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência. Esta realidade é petrificada no instantâneo virtual da mídia; o real é banalizado, transformado em números estatísticos, objeto de estudo e fonte para angariar recursos financeiros pelos que vivem dos intermináveis projetos sobre os miseráveis.

No mundo De pernas pro ar, a necessidade é irmã do medo e o próximo é o inimigo real ou virtual. Como afirma Galeano (1999:07-08):

“Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos”.

No mundo novo fictício de Aldous Huxley, a estabilidade social é sustentada pela estratificação social e o condicionamento programado em laboratórios – cada um no seu lugar – e pelo uso de uma substância denominada Soma, garantia da solidez emocional e antídoto à doença que acomete os críticos, aqueles que teimam em contestar o pensamento e a ordem absolutos. As drogas do mundo real não são apenas aquelas que tornam os narcotraficantes os poderosos de nossa época, senhores que controlam políticos, policiais, juízes e populações. Não! As drogas modernas assumem ares de inocência: apresentam-nas sob a embalagem religiosa; sob a ingênua programação televisiva; sob o rótulo propagandístico que estimula o consumismo, o ter e o individualismo; sob o refúgio da virtualidade dos chats e da overdose de informações e do lixo que transita on-line pela Web.

Os indivíduos buscam a felicidade sob o abrigo do pscicologismo da indústria de auto-ajuda, no consumismo, no misticismo e no intimismo. A realidade social não lhes diz respeito; treinam a insensibilidade e fogem, como o diabo foge da cruz, de qualquer compromisso coletivo com as transformações necessárias para humanizar o mundo real. Vivem nas nuvens!

Na Idade Média a ideologia dominante pregava o conformismo: as esperanças dos pobres se centravam no idílico paraíso pós-morte. Em nossa época, democratizou-se o conformismo e a busca da salvação individual: pobres, empresários, madames e senhores da classe média viram as costas ao mundo real – esta triste realidade! – e disputam em igualdade de condições um lugar no céu. Os que se enriquecem e vivem da fé alheia agradecem.

Uns e outros apaziguam as consciências através do assistencialismo, da esmola e do altruísmo religioso. Como o homem do século XIX, assustado diante da sociedade industrial, há o retorno e o apego desesperado às tradições. Os interesses e as contradições sociais e individuais dão lugar à conciliação, à harmonia, à irmandade. Há algo de positivo nisto: o resgate da humanidade, dos valores humanitários. Mas, seria demais rigoroso observar em tudo isto o reino da hipocrisia?

O refúgio nas tradições tem as suas vantagens. Em primeiro lugar, é o tipo de atitude social e individual que foge ao controle da Razão instrumental e do Estado. Depois, malgrado todos os elementos hipócritas, não há como não se emocionar com a pureza dos sentimentos resguardados nos melhores corações, em especial dentre as crianças. É lícito reconhecer que em meio à ideologia do mercado que transforma momentos de confraternização em mera troca de mercadorias, mercantilizando os próprios sentimentos e as relações afetivas, sobrevivem verdadeiras manifestações de solidariedade que fogem à lógica mercantil.

Por fim, também devemos reconhecer que a Razão triunfante da modernidade não conseguiu – felizmente! – por termo a todas as tradições, o que significa a possibilidade de mantermos um elo com o passado, aprender com este e resguardar aquilo que ainda nos dá o status de humanos e não de autômatos obedientes aos ditames da lógica do mercado. A sobrevivência da tradição nos ajuda a contrapor nossa subjetividade à racionalidade cega e objetiva, contribuindo para a crítica racional a um mundo desencantado com sua própria realidade.