quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Manhã

Mais um dia de trabalho, no atolamento do meio da semana. Como sempre, tomo o ônibus visando chegar a Pinheiros. Muitas vezes, com atraso; outras, em situação confortável de tempo. Uso o aparelho de emepê-três emprestado de meu pai e recheado de artistas e grupos de meu feitio: B.B. King, Miles Davis, Jimmy Cliff, Parteum, Muddy Waters, Ray Charles, Black Alien, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, James Brown, músicas tradicionais nordestinas, toda uma farofada de blues, jazz, soul, funk, emepê-bê, reggae, raggamuffin, rap, entre outras coisas que passam à distância das Transaméricas, Jovem-Pans e Oitenta-e-Noves da vida afora.

Há muitos negros no busão, há mestiços, mulatos, sararás, cafuzos, brancos, uma farofada bem diversa, há os que vieram da Paraíba, Ceára, muitos provém da boa Bahia. No caso de outros, os olhos claros e os rostos de rapazes do interior denunciam: são migrantes do Sul, em especial, das zonas rurais do Rio Grande e de Santa Catarina - contratados a preço de banana para trabalhar em churrascarias paulistanas afim de "europeizá-las". Alguns são idosos, o rosto fragmentado, a vista cansada e opaca de tanta luta diária; existem as evangélicas, em que a grande maioria usa óculos - presumo que as Bíblias com letras minúsculas tenham lhes provocado o seu uso. Existem crianças, alguns são moleques que passam por baixo da catraca e vão esmolar em regiões mais centrais - estes parecem pirilampos com infinita energia - brincando como crianças devem brincar, com a diferença de que estão dentro da condução. Não se inibem. Tem cara de galeguinhos, talvez frutos de algum patrão que transgrediu a dignidade de sua empregada doméstica. Outras crianças usam calções de futebol e chuteiras bem velhas e gastas, e conversam alto e riem muito, magros de dar dó, mas todos os dias vão à escolinha do São Caetano para buscar um futuro dentro dos gramados. Poucos conseguirão; outros continuarão andando de busão, mesmo velhos.

Há o rapaz que anda sempre de preto e usa uma corrente de prata falsa com a efígie de São Jorge perfurando o dragão; existem as moças que ficam incomodadas por tanto desejo da massa masculina - estranho, porque possuem tatuagens nos seios e parecem nem usar calcinhas, de minúsculas que são; vez por outra, roubam a cena os vendedores, embora os produtos não sejam tão variados como nos trens: quase sempre balas e chocolates, e interessante, nenhum doce causa cárie nos dentes, sempre aprovados por alguma associação imaginária de odontologia. Certas vezes, o motorista atende a pedidos de passageiros e negocia com os meninos dos jornais gratuitos "Metro" e "Destak" para que forneçam 50 unidades. E o busão prossegue o itinerário, sempre com percalços: se não quiser trânsito, ande de ônibus nos 10 primeiros dias do ano. Ele só parará nos sinais.





Continua...

2 comentários:

Mixirico disse...

continua logo esse texto, está muito interessante...andei sumida, mas gostei do que li por aqui...
ah, ja fizeste um poema daqueles?
beijos

alex hoera disse...

hey conrado! eu que ando do ônibus e metrô, também presencio bastante dessas personagens diárias de são paulo! ainda mais quando realmente chego na prefeitura e vejo todos lá, pegando fila, atrás de alguém responsável pela cobrança de tantos impostos e afins, procurando um culpado pra toda essa zona... mas se a gente for parar pra pensar, somos nós mesmos os culpados, e é por isso que nossa liberdade de expressão deve servir pra abrir os olhos de todos pra sabermos realmente quais são nossos direitos e deveres!!!

*continua o teto!!!