sábado, 12 de abril de 2008

A Tarde




Pensem num homem de Neanderthal deixando sua morada rupestre e entrando na zona de caça.


Pensou? Óquei.


O período vespertino do meu dia é passado em termos geográficos na opulenta região da Avenida Brig. Faria Lima, um dos centros do capital na capital. O homem observador que agora vos escreve tentará humildemente relatar um pouco deste universo permeado de falsos sorrisos, de ternos mocassin, de carrocinhas, Ferraris, de camelôs e trânsito intenso; escala Richter 9.9 das discrepâncias que uma sociedade singular como a nossa pode oferecer.


É lógico e claro, meus camarás, que sendo isto um weblog, não me eximo de ser um pouquinho parcial. Só um pouquinho. Até porque o meu lado da guerra eu já escolhi há alguns bons anos. E não é o lado de cima da tabela.


Bons eram os tempos machadianos em que o vencedor ficava com as batatas, e ao perdedor, sobrava piedade e compaixão. Na São Paulo do século XXI, nem tais atitudes reservam-se mais aos perdedores. A eles, relega-se o canteiro central da Faria Lima. Aqui não funcionaria nem o Humanitismo de Quincas Borba e nem mesmo Humanismo. O que funciona aqui é o ato de vencer na vida, plagiando as revistas Exame e Você S/A - é óbvio que só existem vencedores quando alguém perde - e isso eu nem poderia plagiar em tais publicações, porque elas são voltadas ao público que não fica no canteiro central da avenida.


Como toda cultura, também a corporativa acumula símbolos que visam seu fortalecimento e a sua identificação (vide Jung). Quatro seguranças armados até os dentes e guarnecendo o Shopping Iguatemi são, sem dúvida, alguns destes símbolos. A Mercedes-Benz parada em cima do farol de pedestres quando o sinal está verde para estes também o é; assim como o rosto que figura as notas de dinheiro brasileiro, ridiculamente decorando e encimando os capitéis de um arranha-céu neoclássico. O mesmo rosto em relevo de pedra sorri cinicamente para os transeuntes que passam preocupados e sem um puto no bolso, além de bater em breguice o Reginaldo Rossi e o Wando juntos. Din-din é garantia de sorriso, mas os sorrisos não garantem o din-din. Ainda assim, o camelô na calçada sorri aquele sorriso lindo de gente negra, e não se dá por vencido, ainda que a labuta seja árdua e que fique em pé o dia inteiro - o seu banquinho é sempre emprestado à senhoras de mais idade e mulheres na espera do ônibus. Na marcha a pé ou na condução, vejo tais cenas e o pensamento é inevitável: algo está muito errado.


Mas para quem tem Deus como o seu maior guia as diferenças são naturais e não se pode lutar contra elas. Elas só diminuem através do trabalho, pesado e feroz. Pelo menos é o que diz o pregador suado, Bíblia em punho, quando se passa pelo Largo da Batata, ainda que o vencedor e suas batatas estejam muito longe dali. Aliás, nem tanto assim, são só vinte andares acima do chão, empoleirados em edifícios, mas o suficiente para que sua vida e a dos perdedores que estão em terra nunca se amarrem.





Continua...


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