sexta-feira, 21 de março de 2008

Combinações




Bairro do Brás. São Paulo.






1. Na virada do décimo-nono para o vigésimo século da Era Cristã, viviam mal - aquela gente das províncias mais ao sul do Vecchio Paese, a Itália. Lavradores miseráveis, mas de certa forma letrados, tocados pela utopia anarquista. Tiveram que fugir em questão da noite para o dia - a pena para o crime de professar sua liberdade política era a morte. E corre para o porto internacional mais próximo, porque a cavalaria do rei vem aí. E vem pra fuzilar aqueles que queriam fuzilar o rei. É a lei de talião, olho por olho e dente por dente. Destino: Brasil.


2. Mesma época, mesmos problemas, é em Treviso, norte da Itália, que os descendentes de algum Francesco, como delatam seus sobrenomes, Secco e Secassi, decidem também dar um basta em tanta miséria e rumar para um novo horizonte em Novo Horizonte, cidade caipira do Estado de São Paulo. Fugiram também, mas fugiram por aquilo que não escolheram: nascer num berço de pobreza.

3. E dos Pireneus, cadeia de montanhas que separam França e Espanha, surge um tal sujeitinho de nome Jean-Baptiste Lafont, que decide tentar a sorte do outro lado das montanhas e conhece a espanhola Maria Sanchéz, com quem veio a amar e casar. Torna-se cidadão ibérico. No meio de uma confusão histórica, presumo que tenha tentado a carreira no exército de Su Majestad e parte para a luta contra os ianques norte-americanos em Cuba, colônia espanhola. A Espanha sai derrotada e Cuba, independente mas dependente e explorada por seus colegas norte-americanos. Numa das pelejas, seu batalhão é estraçalhado e ele resolve fingir-se de morto. Os americanos que passavam queriam comprovar a morte de todos os espanhóis e botavam-se a enfiar as adagas de suas carabinas em todos os pescoços que encontravam. Jean sobreviveu a isso, mas muitos anos mais tarde, já no Brasil, veio a falecer de um câncer surgido em sua traquéia. Assassinado a longo-prazo.

4. E é no interior da Bahia, Brasil, que encontramos outros personagens, gente que tinha lusitanos e sertanejos por ascendentes. Decidiram eles largar aquela terra que nada dava e que vivia seca a maior parte do ano, terra de cangaços e Antônios Conselheiros, terra de velhas histórias da noite e do luar do sertão, encruzilhada de caixeiros-viajantes e soldados da polícia em caça à Lampiões e Virgulinos. Rumaram pelas próprias pernas, segundo ouvi, para o sul das Minas Gerais. Foi em Arceburgo, sul de Minas, que Nídia Anacleto, a baiana, conheceu Hugo Pessuti, o mineiro. São os falecidos pais de meu avô. E segundo meu avô, Arceburgo tem por peculiaridade nunca mudar o seu número de habitantes - toda vez que nasce uma criança, foge um rapaz.

O resultado de tão antigas combinações é este que vos escreve. Com sangue italiano, francês, espanhol, português, brasileiro e baiano, quiçá indígena, filho dos bairros operários da Mooca e Brás e dos subúrbios provincianos da Vila Prudente, lugar onde os filhos e netos de todos aqueles ilustres personagens (pelo menos para mim) conheceram-se e procriaram-se.

Eu.









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