terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Abrem-se os Umbrais da Madrugada - outubro de 2006

Já passa da meia-noite
E espero o ferro-velho ambulante
Já não suporto mais
O peso de mais um dia vivido
No entanto, sou subtraído
Pelas divagações da madrugada
E, em meio a centenárias construções
Sinto-me num cenário noir
Brumas, sereno e névoas
O mistério espreita a cada esquina
Embaixo das opacas e públicas luzes
No aconchego da solidão e do inóspito
Quase posso ouvir o estalo de uma porta distante
De repente, volto à realidade:
E que cinismo de realidade!
Ao longe, um louco
Recitando versos insolentes
Para seus deuses inexistentes
Olha para mim como se eu fosse o avatar
Do próprio Deus da Loucura!
Murmura soberbo línguas ancestrais,
E sai correndo,
Temeroso de sua própria sombra...
No ar, um odor fétido me embriaga
E reparo nas fezes não de um cão,
Mas sim de um ser humano!
Ó, valorosa companheira
Se ao menos pudesse dialogar comigo...
Delirando com a atmosfera do resto de um resto
Delírio este que foi quebrado por um jornal
Que, carregado pelo vento cortante,
Cai por cima do fedorento e instantâneo amigo
E continuo só...
Tudo a minha volta é puro Submundo
E compartilho com Este que me rodeia
O último cigarro de um maço amassado
É, no momento, a única,
Única oferenda que entrego à este Deus
Deus sujo, decrépito e decadente
Mas que reina absoluto
Por entre vales, escarpas e quebradas,
De prédios horrendos e empoeirados
Cujas estilhaçadas fachadas somem com a névoa
Contribuo com a minha oferenda porca de tabaco,
E os tótens de pedra e aço somem ainda mais...
No entanto, minha desatenção é cortada
Pelo farol catequizador de minha condução,
Que chega finalmente
E digo "minha" porque vejo que ela está vazia
E sentando em seus bancos conquistei-a
Pensando, como um cavaleiro para o seu cavalo:
- Leve-me deste lugar amaldiçoado!
Amaldiçoado, mas fascinante,
E que o culto aos Deuses da Madrugada
Recomece amanhã,
Porque estarei aqui.

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